sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Tempo Suficiente

Aproveito esse dia chuvoso para transcrever uma reflexão que tenho construído há algum tempo.
Me parece que existe um tempo suficiente e ideal para que possamos nos adaptar às mais adversas mudanças que a vida nos impõe, por mais que este possivelmente seja diferente para cada um.
Constatei que faz aproximadamente o mesmo tempo, cerca de 8 meses, que fiquei envolvida com uma pessoa e agora que estou solitária.
Oito meses é tempo suficiente para se acostumar à novas condições, eu, que era uma mulher independente há um bom tempo, me vi 'dependente' da presença de alguém, pois acomodar-se com uma situação supostamente favorável é algo 'fácil'. Depois desse 'longo' período, acaba sendo complicado imaginar como seria ter que se readaptar à vida solitária que antecedia a isso; é um estilo de vida muito bom e agradável, porém desacostumar-se e acostumar-se novamente com a solitude, é um processo árduo e até um pouco doloroso.
A foto que ilustra esse texto foi previamente programada para salientar uma questão que me ocorreu durante as minhas reflexões.

Quando eu era criança, tinha muito medo do escuro, então meus pais deixavam uma lâmpada discreta acesa pra mim, visto que eu dormia no mesmo quarto que meu irmão e não gostaria de ser inconveniente à ele, que sempre foi muito mais corajoso e astuto que eu em alguns pontos.
Ao apagar das luzes, eu enxergava vultos imaginários, dois ou três, nunca um só. E eles sempre pareciam muito hostis, armados com bastões e revólveres. Meu medo do escuro se personificava de uma forma muito assustadora.
Cresci, nos mudamos, passei a dormir num quarto sozinha e com o passar dos anos meus vultos foram sumindo, sem que eu ao menos me desse conta disso.
Quando decidi morar sozinha, há quase 4 anos, meus vultos tentaram voltar. Era um ambiente novo, um quarto novo, um prédio nem tão novo assim (pois era o mesmo de quando eu era criança), mas as circunstâncias me trouxeram um certo receio do escuro novamente, ou isso se dava ao fato de saber que não haveria ninguém ali pra me 'socorrer' em qualquer situação ruim possível.

Contudo, me adaptei, me acostumei, e novamente os vultos foram embora.
Com o namoro, eu acabava dormindo mais vezes ao lado da pessoa do que sozinha, cerca de quatro ou cinco dias na semana (algo pelo qual eu, habituada a ser sozinha, não tenho muito apreço, mas...). Tal frequência e algumas outras peculiaridades do relacionamento que não cabem aqui, fizeram com que, pasmem, meus vultos retornassem! Eu, uma mulher de 26/27 anos, morando sozinha há três, voltei a temer a escuridão... Eram realmente aterrorizantes aquelas noites em que eu dormia sozinha.
Então, um término foi absolutamente necessário. E eu? Levei um bom tempo, o suficiente, para me readaptar de volta. Nos primeiros meses, percebi que eu seguia dormindo 'em um determinado lado da cama', quando eu poderia me esparramar a la vontê. Tive receio das noites sozinha e inicialmente foi o inverno mais gelado que enfrentei para conseguir dormir (a conta de luz que o diga, devido ao aquecedor ligado praticamente todo o tempo que eu ficava acordada em casa).
Agora, após oito meses de readaptação, estou novamente bem. Os meus vultos voltaram para suas tumbas e eu renasci das cinzas mais uma vez, retomando minhas noites de sono tranquilas e posicionada no centro da cama, tal como sempre deveria ter sido e nunca mais deverá deixar de ser :)

Viviane Lauck

sexta-feira, 8 de março de 2019

Super Mulheres

[AVISO] Nem todas situações citadas aqui são de vivência própria, algumas são de mulheres conhecidas.



Conforme os anos passam, além de ficar mais madura e experiente, também percebo o quanto ser mulher me fortalece.

As mulheres passam por uma série de situações ruins que as fazem construir muros de proteção ao redor de si mesmas. É um mar de vivências que nos tornam expert's no reconhecimento de pessoas de má índole, porém, infelizmente, reconhecer não é sinônimo de saber defender-se de tais seres humanos (se é que podemos chamá-los desta forma).Isso inclui os chefes autoritários, que julgam mais importantes os interesses da empresa do que tudo e todos (te pedindo para faltar aula, em prol dos serviços da empresa, indicando que não se importam com a vida pessoal dos funcionários), e também aqueles assediadores, que olham pra dentro da tua blusa, fazendo comentários tão desnecessários e grosseiros quanto a atitude propriamente dita.

Inclui o ficante que te 'pediu' pra tomar uma pílula do dia seguinte por medo de ser pai, sendo que a hipótese era praticamente nula, e chega até o namorado que preferia não usar preservativo, priorizando o prazer pessoal e 'não se importando' com uma possível gravidez, e inclusive gostando da hipótese.

Tem também aquele cara que passa de bicicleta e te dá um tapa no bumbum enquanto tu caminha, aquele que te persegue de moto (que tu não sabe se tá te paquerando ou pretende te assaltar), os caras que agarram à força nas festas...

E isso inclui, ainda, o cara aquele que olhou pra ti na estação de trem e começou a se masturbar, ou aquele outro que parou pra pedir informação e aproveitou a oportunidade para perguntar se você é casada.

Ser mulher exige uma série de cuidados inimagináveis: por qual caminho tu anda, em qual horário, com qual roupa, se o cabelo está solto (como um amigo segurança me disse certa vez), quais as melhores companhias ("será que podemos alugar uma casa e ficar só entre mulheres numa praia menos movimentada?"), quais as palavras corretas para responder a pergunta de um desconhecido sem que ele entenda que você está "dando trela", entre tantos outros.

E o pior disso tudo é quando tentam nos dizer que temos que nos encaixar num padrão social, em pleno século XI, que seria o 'ideal' de mulher. Amélia, que era mulher de verdade ♪♫♪...

Não pode conversar com os amigos agora que está namorando, nem ir em determinados lugares com as amigas, e muito menos sonhar em negar sexo, "você deve se dar ao respeito", "respeita teu macho".

O problema de ser mulher é fazer tudo correto a vida toda, e mesmo assim, alguém, em algum momento, te 'presentear' com xingamentos gratuitos e sem nenhum fundamento, apenas por uma discordância de pensamento ou por uma rejeição educada, mas a pessoa acredita piamente que você merece ser tratada daquela forma. E depois surgem os arrependimentos "eu não quis dizer isso, estava nervoso", "nunca mais vou fazer isso", "me perdoa", dizem eles. Vocês acreditariam nessas palavras? Eu não, eu nunca.

E mesmo eu, Viviane, hoje com 27 anos, mulher forte, empoderada, independente, inteligente, às vezes me meto em algumas ciladas e volto a precisar de um tempo de recuperação mental e emocional, exercendo a chamada resiliência, que significa nada menos do que se adaptar aos acontecimentos ruins, seguir em frente, e retomar a sua vida sofrida e feliz.

Esse é o motivo de eu ter uma fênix tatuada. Embora tenha sido inspirada em um filme (Um caminho pra dois, 2003), onde a personagem em questão faz a tatuagem como um simples ato de rebeldia, a fênix me remete a toda essa necessidade de ser forte que o mundo exige de mim, o tempo todo.

E eu sou, e serei sempre. Todas seremos.


Viviane Lauck