Hoje, 12 de dezembro, é meu aniversário... e seria o teu
também se você ainda estivesse aqui. Acabei de retornar da tua missa de 7º dia
e tua mãe me contou que você foi visitá-la, que estava feliz, com a cara de “sem-vergonha”
que sabemos que você tem e que inclusive deu um beijo nela. Já eu, tento ressignificar
tua ausência através de uma singela comemoração com um misto de tristeza,
saudade e gratidão, e tento me aprumar fisicamente o máximo que consigo
atualmente para ficar bem apresentável com o pensamento em ti, como se fôssemos
nos ver neste momento. Sinto como se neste ano o dia fosse muito mais teu do
que meu, mesmo você dizendo que 12 era o “meu” número, eu sempre insisti que
era o “nosso”. Em maio, logo após sairmos pela primeira vez este ano, você me
perguntou o que eu queria de aniversário, respondi “caramba, mas tá tão
distante ainda” e você disse “mas já vai pensando”. Agora sei o que eu gostaria:
que você estivesse aqui para comemorarmos juntos.

Nós tínhamos uma história muito longa, 17 anos onde vivíamos
nos perdendo e nos reencontrando novamente. Foram muitas vivências, conversas e
desabafos, sempre com um carinho mútuo e um conforto inexplicável na companhia
um do outro. Aliás, sempre era uma palavra muito comum entre a gente. “Sempre
vou gostar de ti”, “sempre vou me lembrar”, “sempre vou ter carinho por ti”,
“você sempre vai ser importante pra mim” ...

Quando namoramos na adolescência, eu achava que jamais seria
capaz de retribuir o que você sentia por mim e optei por me afastar. Hoje,
vendo o tamanho da minha dor, percebo que eu era. E você sabia disso... “Vivi,
sou eu, eu conheço esses teus olhinhos aí, não adianta negar”. E eu, teimosa e
relutante como sempre, achava bobagem. Quis o destino que nos esbarrássemos inúmeras
vezes... Nas saídas noturnas, na praia (embora só você tenha me visto), nos
aplicativos de relacionamento, nas redes sociais e na academia. Em todas as
vezes, nossa reaproximação foi inevitável. Eu tentava fugir de ti, você tentava
me evitar, mas simplesmente era impossível fazê-lo. Você me questionou em
algumas ocasiões o que era essa nossa ligação, essa conexão, esse imã que
sempre nos puxava de volta um ao outro. Eu respondi que provavelmente era por
conta da nossa trajetória, que foi muito bonita e intensa. E nenhum de nós
machucou ao outro a ponto de causar uma mágoa irreparável. O carinho recíproco
sempre permaneceu.

Há muitos anos, quando finalmente entrei naquele avião
contigo (com 6 anos de atraso, segundo você mesmo disse), lembro que fiquei
medrosa, nervosa, mas fui igual, sempre confiei em ti. Você me presenteou com
um “morro”, passando com o avião em meio aos dois cumes de Dois Irmãos e,
provavelmente, foi o presente mais romântico que já recebi. Posteriormente, me
disse que finalmente tinha realizado um sonho: ter as duas coisas que amava no
mesmo lugar, ao mesmo tempo.
%2021.06.48_c556fccf.jpg)
Ambos tivemos outras relações e amores ao longo dos anos.
Nos afastávamos e logo nos reaproximávamos novamente. Uma saga infinita. Eu
recorria a ti em momentos de vulnerabilidade emocional, porque sabia que tu
jamais serias capaz de me fazer qualquer tipo de mal. Inclusive logo após meu
câncer de mama, você fez questão de declarar que meu corpo seguia perfeito e
que mal se notavam as minhas cicatrizes. Você fazia com que eu me sentisse
segura e amada. Era meu porto seguro, onde eu aportava quando a vida estava sendo cruel... Agora ela está sendo extremamente dura e simplesmente não tenho para "onde" ir... Nós nos aceitávamos como sempre fomos. Você não questionava
minhas escolhas ou preferências de vida, sempre disse que jamais iria competir
comigo e sim torcer por mim.

Eu também sempre torci por ti. Mesmo de longe, recordava das
nossas andanças de vez em quando com um desejo de que estivesse bem. Já na
época que namoramos, aquele pingente de “soldado” que você carregava no
pescoço, com o nome e o tipo sanguíneo para casos de acidente, me causava uma
certa aflição. Parecia que você sabia que essa possibilidade era muito real...
E, a julgar pela letra da música que você escreveu também no passado, acho que
você sabia exatamente como seria sua partida deste plano. Ao longo dos anos,
cada notícia de acidente aéreo que eu vi me dava um aperto no peito, cogitando
a hipótese do teu nome estar nela. Dessa vez estava...
Deixamos muitas coisas por fazer... aquela revanche na
sinuca, a visita ao meu estúdio, a instrução no clube de tiro, a tirolesa dos
Cânions que você disse que iria me levar junto... Eu te disse que era um pouco arriscado
que eu fosse atirar em momentos de instabilidade emocional. Você disse que
nunca permitiria que eu fizesse algo contra mim mesma, que o mundo ainda não
estava pronto para perder o meu sorriso. No entanto, infelizmente o mundo
perdeu o teu... Uma característica citada por muitos após tua partida.

Por coincidência da vida, nos aproximamos novamente esse
ano. Acaso, destino, quem sabe... Troquei de academia por uma necessidade
logística e financeira. Nos esbarramos por lá. “Opa, tudo belezinha?” foi a
forma que você me cumprimentou depois de alguns bons meses sem nos vermos por
aí. Isso ocorreu novamente por mais algumas vezes até de fato voltarmos a nos
falar com mais frequência. Chegamos ao ponto de trocar palavras quase que
diariamente e dar nossas saídas quase que semanalmente. Na academia, eventualmente
treinávamos juntos, (inclusive fiz um vídeo teu sem querer num momento em que veio me dizer "tchau"), um ajudando o outro, e você discretamente pedia para beber
água da minha garrafa, uma atitude conhecida no mundo fitness como um modo
sutil de dizer “ela é minha”. Termo esse que também ouvi muitas vezes de ti...
assim como quando eu questionava algo dizendo ‘piloooto’ e você completava
dizendo “teu” ...
%2021.48.18_15e066aa.jpg)
Essa parceria sempre foi algo muito nosso. O que tínhamos
era algo particular, não-oficial, ninguém sabia além de nós. Tudo muito discreto...,
mas quando estávamos juntos, éramos felizes, nos amávamos. Alguns conheceram o Diego filho, outros o sobrinho, o irmão, muitos o instrutor, o profissional, o piloto, o atirador... e acredito que muitas também conheceram o Diego homem como eu. Mas a versão que eu tinha de ti era exclusivamente minha. A impressão que fica é que revivíamos a adolescência, versões nossas que já eram passado se tornavam presentes novamente. Você me disse um dia "gosto da tua companhia, você me lembra um Diego que eu gostaria de voltar a ser". Pra mim, você nunca deixou de ser aquele. Nós não deixamos de ser.
Recordo de todas as
vezes que você me chamou de “amor” e eu revirei os olhos porque na atual fase não parecia muito adequado e você dizia “para, eu sei que tu gosta que eu chame
e eu gosto de chamar”. Tu tinhas razão... eu realmente gostava... Você
ressaltava o quanto combinávamos e que seríamos um “casalzão”, falava em namoro
e filhos e eu permanecia relutante em relação a ambos. Dizia que teria um filho
comigo e que ele seria muito bonito, “imagina nós com um pitoco correndo por
aí”. Hoje, penso que talvez não fosse ruim se parte de você tivesse continuado
aqui comigo. Talvez suprisse a parte de mim que você levou contigo.
Vou sentir falta, Diego, de tudo.
%2021.48.38_0f871957.jpg)
De todas as vezes que você me dizia o quanto eu era linda
(mesmo quando eu estava acabada após um treino de inferiores), que me amava, que
me admirava e que tinha orgulho de mim, uma guerreira nata, segundo você, que
decidia ser forte e simplesmente era. Não tenho conseguido ser... E,
honestamente, acho que nem faço questão nesse momento. Percebo que minhas
lágrimas não são apenas pelo último ano que passamos “juntos”. Elas escorrem em meu rosto a todo instante por conta de uma imensidão de lembranças da nossa trajetória e pela certeza arrebatadora de que, dessa vez, realmente acabou. Não há como mudar esse fato e não posso fazer absolutamente nada em relação a isso... Estou acorrentada a uma verdade imutável. Vou sentir falta
dos jogos de sinuca, dos treinos em conjunto, dos beijos roubados na academia,
das batatinhas com refrigerante, dos filmes que nunca terminávamos de assistir,
dos jantares em que você cozinhava para mim, dos abraços, das conversas, de me acostar no teu peito, dos
passeios noturnos no Aeroclube à luz das estrelas e de observar a galáxia
através do teu telescópio.
Tínhamos uma conexão de almas, provavelmente desde quando eu
nasci, exatamente um ano após você. Quis o universo que estivéssemos próximos
atualmente. No dia 5 de dezembro, eu acordei subitamente assustada por volta
das 8h. Não entendi o porquê, tenho dificuldades para dormir e dificilmente
acordo nesse horário ou antes disso. Não havia motivos aparentes para o meu
despertar. E o motivo realmente não era visível. Li nas notícias que teu
acidente foi por volta desse horário. Isso me dá a certeza de que foi você, se
despedindo de mim naqueles últimos segundos... Poxa, havíamos combinado por
alto de sair naquela semana...
%2021.09.24_ee00fa6c2.jpg)
Essa despedida foi uma das mais difíceis que já tive,
especialmente por sermos tão jovens... Apesar das intempéries, perder um amor
de uma “vida inteira” carrega uma tristeza que é só minha, só eu sinto e só eu
chego perto de entender. Provavelmente sinto muito mais do que sempre admiti.
As pessoas me veem por aí como um vulto, andando sem alma por aí. Eu não sei
por onde ela anda, acho que contigo em algum lugar... Foi estranho estar no teu
funeral e ninguém ao menos entender a razão de eu estar ali. Exceto teu pai,
que disse estar pensando em mim, se eu iria aparecer para me despedir de ti. Não havia chance alguma de eu
não ir... O contraste de alguns dias antes, quando te vi pela última vez na
academia e te ajudei no supino, em toda tua vivacidade fazendo treinamento de
força com mais de 130kg, com aquele último adeus para um corpo sem vida, não
sai da minha mente. Me despedi de ti, do teu corpo gélido com vestígios de
queimaduras por conta do acidente e agradeci por ter compartilhado longos anos
desta vida comigo.
Eu estou ansiosa para te reencontrar na próxima vida. É uma
certeza para mim. Nesta, apesar de todo sentimento envolvido, tínhamos diversas
incompatibilidades que impossibilitavam ficarmos, de fato, juntos. Sempre de
forma passageira e intensa. Tão intenso quanto todas as vezes que saímos na
madrugada para dar voltas na tua moto. Lembro de ti acelerando na estrada e
segurando as minhas mãos que estavam geladas. Essa tua vontade de viver que
exalava adrenalina sempre mexeu muito comigo.
Pensar que nossa história finalmente chegou ao fim é aterrorizante... Esse afastamento agora é definitivo e não vamos mais nos reencontrar ao "acaso" pelo resto da minha vida, nunca mais... Tudo que eu gostaria de compartilhar contigo não será dito e não terei mais o teu afago nos meus piores momentos. Estou me sentindo mais desamparada do que nunca... No entanto, por mais que a dor por aqui seja interminável e avassaladora, o meu consolo
é saber que vivemos muitas coisas lindas e que tudo isso vai permanecer para
sempre na minha memória. Você partiu fazendo aquilo que amava. Por diversas
vezes, nossos assuntos giravam em torno das dificuldades da vida adulta, mas
agora você pode seguir nos céus sem se preocupar com as agruras da vida
terrena.
Você finalmente é livre.
P.s.: você deveria ter ido voar com o avião que escolhi para a exposição do Dia do Aviador no Aeroclube, meu amor, esse era o avião legal, que fazia "certinho" com as asas, o outro não era...